Compreender os textos Bíblicos não é tarefa fácil, e se torna praticamente impossível se não levarmos em conta os aspectos histórico-culturais e os costumes da época em que cada leitura se passa. Há muitas mensagens escritas que se apóiam nestes aspectos, além de leis específicas, metáforas temporais, problemas de tradução e até mesmo estilos usados pelos autores de cada livro, e quais elementos (ou mesmo objetivos) queriam enfatizar em seus textos.

CONDIÇÕES HISTÓRICO-CULTURAIS E COSTUMES DA ÉPOCA DAS PASSAGENS BÍBLICAS

LEITURAS DA SEMANA

"PRÓXIMA REUNIÃO: 11/Setembro 8:00pm"

Antes de cada reunião semanal, colocaremos nesta página informações úteis, sobre cada leitura, para nos ajudar nesta "viagem no tempo" e, assim, com o auxílio do Espírito Santo de Deus, entendermos as mensagens com este pano de fundo histórico e, finalmente, podermos transportá-las aos nossos dias e às nossas circunstâncias de hoje.

Ref. Domingo 14/Setembro/2025

24º Domingo do Tempo Comum - Ano C

Festividade da Exaltação da Santa Cruz

No séc. II o imperador Adriano (117-138), para dissuadir o culto cristão em Jerusalém, soterrou o local onde Jesus tinha sido crucificado e sepultado. No local do Santo Sepulcro, colocou a estátua de Júpiter; no local da crucifixão de Jesus, erigiu uma estátua em honra de Vênus. Os cristãos, contudo, continuaram a frequentar esses lugares, aí evocando a morte e a ressurreição de Jesus. Mais tarde, em 13 de setembro de 326, Santa Helena, mãe do imperador Constantino, por indicação de um habitante de Jerusalém, descobriu no local do Calvário a madeira da cruz onde Jesus tinha sido crucificado. Demolidas as construções pagãs erigidas por Adriano, foi construída uma basílica cristã, cuja dedicação aconteceu em 13 de setembro de 335. No dia a seguir, 14 de setembro, a cruz lá encontrada foi exposta à adoração dos fiéis. É este fato que está na origem da chamada Festa da Exaltação da Santa Cruz. A cruz de Jesus – que a liturgia deste dia nos convida a contemplar – é a expressão suprema do amor de um Deus que veio ao nosso encontro, aceitou partilhar a nossa humanidade, quis fazer-se servo dos homens, deixou-se matar para que o egoísmo e o pecado fossem vencidos. Ao entregar a sua vida na cruz, em dom de amor, Jesus indicou-nos o caminho para chegar à vida plena.

1ª Leitura:  Livro dos Números (Nm 21: 4b-9)

O “Livro dos Números” é assim designado na versão grega da Bíblia Hebraica pelas frequentes listas de censos, de registos e de listas, que aparecem ao longo do livro (começando inclusive com os números do recenseamento do Povo de Deus, tribo por tribo, feito por Moisés por mandato de Deus). Apresenta, sem grande preocupação de coerência e de lógica, um conjunto de tradições sobre a estadia no deserto dos hebreus libertados do Egito. São tradições de origem diversa, que os teólogos das escolas javista, elohista e sacerdotal utilizaram com fins catequéticos.

No seu estado atual, o livro está dividido em três partes. A primeira narra os últimos dias da estadia do Povo de Deus no Sinai, junto do “monte da Aliança” (Nm 1: 1-10); a segunda descreve a caminhada do Povo pelo deserto, em diversas etapas, desde o Sinai até à planície de Moab, num trajeto geográfico difícil de seguir e de identificar (cf. Nm 10: 11-21, 35); a terceira apresenta a comunidade dos filhos de Israel instalada na planície de Moab, preparando a sua entrada na Terra Prometida (cf. Nm 22: 1-36 ,13).

Mais do que uma crônica de viagem do Povo de Deus desde o Sinai, até às portas da Terra Prometida, o Livro dos Números é um livro de catequese. Pretende mostrar que a essência de Israel é ser um Povo santo, reunido à volta de Deus e da Aliança. Com algum idealismo, os autores do Livro dos Números vão descrevendo como esse grupo informe de nómadas libertados do Egito foi ganhando progressivamente uma consciência nacional e religiosa, até chegar a formar a “assembleia santa de Deus”. O autor mostra como, ao longo do caminho, por ação de Deus, Israel vai progressivamente amadurecendo, renovando-se, transformando-se, alargando os horizontes, tornando-se um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto e mais santo.

O episódio que hoje nos é proposto nos situa no deserto do Neguev, no sul da Palestina. Impedidos de atravessar o território dos Edomitas, os hebreus se dirigiram para o sul pelo “caminho do mar dos Juncos”, a fim de contornarem a fronteira de Edom, em direção ao golfo da Aqaba.

2ª Leitura:  Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2: 6-11)

A cidade de Filipos, situada na Macedônia oriental, era uma cidade próspera, com uma população constituída maioritariamente por veteranos romanos do exército. Organizada à maneira de Roma, estava fora da jurisdição dos governantes das províncias locais e dependia diretamente do imperador. Gozava dos mesmos privilégios das cidades de Itália e os seus habitantes tinham cidadania romana. Paulo chegou a Filipos pelo ano 49 ou 50, no decurso da sua segunda viagem missionária, acompanhado de Silvano, Timóteo e Lucas. Da sua pregação nasceu a primeira comunidade cristã em solo europeu.

A comunidade cristã de Filipos era uma comunidade entusiasta, generosa, comprometida, sempre atenta às necessidades de Paulo e do resto da Igreja (como no caso da coleta em favor da Igreja de Jerusalém). Paulo nutria pelos cristãos de Filipos um afeto especial; e os filipenses, por seu turno, tinham Paulo em grande apreço. Apesar de tudo, a comunidade cristã de Filipos não era perfeita: os altivos patrícios romanos de Filipos tinham alguma dificuldade em assumir certos valores como o desprendimento, a humildade e a simplicidade.

Paulo escreve aos Filipenses numa altura em que estava na prisão (não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em Éfeso). Os filipenses tinham-lhe enviado, por um membro da comunidade chamado Epafrodito, uma certa quantia em dinheiro, a fim de que Paulo pudesse prover às suas necessidades. Na carta, Paulo agradece a preocupação dos filipenses com a sua pessoa; os exorta a se manterem fiéis a Cristo e a incarnarem os valores que marcaram a vida de Cristo (“tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus”).

O texto que a liturgia do domingo  nos apresenta como segunda leitura é o texto mais notável da carta aos filipenses. Trata-se de um antigo hino, provavelmente pré-paulino, que era recitado nas celebrações litúrgicas cristãs (há quem fale, a propósito deste hino, na catequese primitiva de Simão Pedro, conservada na comunidade cristã de Antioquia da Síria). Lembra aos cristãos de Filipos o exemplo de Cristo, a sua humildade e despojamento.

Evangelho: segundo João (Jo 3: 13-17)

Jesus tinha ido a Jerusalém para a celebração da Páscoa. Foi lá que se encontrou e conversou com um fariseu chamado Nicodemos, que era “uma autoridade entre os judeus”.

Dizer que Nicodemos era fariseu é dizer que ele era um homem da Lei. Os fariseus distinguiam-se pela sua adesão e fidelidade à Lei de Moisés. Os membros deste partido tinham grande influência entre o povo pela sua fama de observância e de prática religiosa. Mas João nos diz também que Nicodemos era uma autoridade entre os judeus. Isso significa, provavelmente, que era membro do Sinédrio, um representante do judaísmo oficial. O encontro de Nicodemos com Jesus acontece “de noite”. A indicação pode significar que ele não queria ser visto com Jesus para não prejudicar a sua posição, ou pode ter a ver com o hábito que os fariseus tinham de estudar a Lei à noite. Também pode significar que, nessa altura, Nicodemos ainda está às escuras, pois ainda não foi iluminado pela luz de Jesus. É bem possível que Nicodemos fizesse parte de um grupo, dentro do judaísmo erudito, que se interessava por Jesus e que queria compreendê-lo. Nicodemos aparecerá, mais tarde, defendendo Jesus, perante os chefes dos fariseus. Também estará presente na altura em que Jesus foi descido da cruz e colocado no túmulo.

A conversa daquela noite entre Jesus e Nicodemos apresenta três momentos significativos. No primeiro (Jo 3: 1-3), Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus, graças às obras poderosas que Ele faz; mas Jesus acrescenta que isso não é suficiente, pois o essencial é reconhecê-l’O como o enviado do Pai, como aquele que veio do alto para revelar Deus. No segundo (Jo 3: 4-8), Jesus explica a Nicodemos que, para entender a proposta que Ele traz, é preciso “nascer de Deus”; e explica-lhe que esse novo nascimento é o nascimento “da água e do Espírito”. No terceiro (Jo 3: 9-21), Jesus descreve a Nicodemos o projeto de salvação de Deus: é uma iniciativa do Pai, tornada presente no mundo e na vida dos homens através do Filho e que se concretizará pela cruz/exaltação de Jesus. O extrato da conversa que escutamos na Festa da Exaltação da Santa Cruz pertence a esta terceira parte. É um texto carregado de densidade teológica.