Compreender os textos Bíblicos não é tarefa fácil, e se torna praticamente impossível se não levarmos em conta os aspectos histórico-culturais e os costumes da época em que cada leitura se passa. Há muitas mensagens escritas que se apóiam nestes aspectos, além de leis específicas, metáforas temporais, problemas de tradução e até mesmo estilos usados pelos autores de cada livro, e quais elementos (ou mesmo objetivos) queriam enfatizar em seus textos.

CONDIÇÕES HISTÓRICO-CULTURAIS E COSTUMES DA ÉPOCA DAS PASSAGENS BÍBLICAS

LEITURAS DA SEMANA

"PRÓXIMA REUNIÃO: 24/Abril/2025"

Antes de cada reunião semanal, colocaremos nesta página informações úteis, sobre cada leitura, para nos ajudar nesta "viagem no tempo" e, assim, com o auxílio do Espírito Santo de Deus, entendermos as mensagens com este pano de fundo histórico e, finalmente, podermos transportá-las aos nossos dias e às nossas circunstâncias de hoje.

1ª Leitura:  Livro dos Atos dos Apóstolos (At 5: 12-16)

2ª Leitura: Livro do Apocalipse (Ap 1: 9-11a, 12-13, 17-19)

Evangelho: segundo João (Jo 20: 19-31)

Ref. Domingo 27/Abril/2025

Domingo na Oitava de Páscoa - Ano C

Domingo da Divina Misericórdia

Jesus foi crucificado na manhã de uma sexta-feira – dia da “preparação” da Páscoa – e morreu pelas três horas da tarde desse dia. Já depois de morto, um soldado trespassou-lhe o lado com uma lança; e do lado aberto de Jesus saiu sangue e água. O evangelista João vê no sangue que sai do lado aberto de Jesus o sinal do seu amor dado até ao extremo: do amor do pastor que dá a vida pelas suas ovelhas, do amor do amigo que dá a vida pelos seus amigos; e vê na água que sai do coração trespassado de Jesus o sinal do Espírito, desse Espírito que Jesus “entregou” aos seus e que é fonte de Vida nova.

Da água e do sangue, do batismo e da eucaristia, nascerá a nova comunidade, a comunidade da Nova Aliança. Contudo, os discípulos que tinham subido com Jesus a Jerusalém e que seriam o embrião dessa comunidade da Nova Aliança, desapareceram sem deixar rasto. Estão escondidos, em algum lugar na cidade de Jerusalém, paralisados pelo medo. O projeto de Jesus falhou?

No final da tarde dessa sexta-feira, o corpo morto de Jesus foi sepultado às pressas num túmulo novo, situado num horto ao lado do lugar onde se tinha dado a crucificação. Depois veio o sábado, o último dia da semana, o dia da celebração da Páscoa judaica. Durante todo aquele sábado o túmulo de Jesus continuou cerrado.

A partir daqui a narração de João muda de tempo e de registo. Chegamos ao “primeiro dia da semana”. É o primeiro dia de um tempo novo, o tempo da humanidade nova, nascida da ação criadora e vivificadora de Jesus. “No primeiro dia da semana”, Maria Madalena, a mulher que representa a nova comunidade, vai ao túmulo e vem de lá confusa e desorientada porque o túmulo está vazio. Logo depois, ainda “no primeiro dia da semana”, Pedro e outro discípulo correm ao túmulo e constatam aquilo que Maria Madalena tinha afirmado: Jesus já não está encerrado no domínio da morte. A comunidade de Jesus começa a despertar do seu letargo; começa a viver um tempo novo. “Ao entardecer do primeiro dia da semana” (“ou seja, ao concluir-se este primeiro dia da nova criação) a comunidade dos discípulos faz a experiência do encontro com Jesus, vivo e ressuscitado.

O livro dos Atos dos Apóstolos, logo depois da introdução inicial, nos oferece um conjunto de histórias sobre a comunidade cristã de Jerusalém. Mas o objetivo primordial de Lucas, o autor dos Atos, não é nos fornecer um relato real e pormenorizado dos primeiros dias do cristianismo, após a ascensão de Jesus ao céu; o que ele pretende é nos propor uma catequese sobre a forma como a Igreja de Jesus se deve estruturar e apresentar ao mundo.

A comunidade cristã de Jerusalém é, de certo modo, a mãe e o modelo de todas as Igrejas. Lucas, ao falar dela, vai idealizá-la e “embelezá-la”, a fim de que ela funcione como exemplo para todas as Igrejas que depois irão surgir.

Nesses capítulos dedicados à apresentação da Igreja de Jerusalém, Lucas insere, a certa altura, três breves sumários que põem em relevo dimensões particularmente importantes da vida eclesial. No primeiro desses sumários sublinha-se especialmente a unidade, a fidelidade à oração e ao ensino dos apóstolos, o espírito fraterno e o testemunho que a comunidade dava aos habitantes de Jerusalém; no segundo, a ênfase é posta na partilha dos bens e na solidariedade dos membros da comunidade; no terceiro (que é precisamente o que a liturgia deste domingo nos propõe como primeira leitura), se realça a atividade curadora dos apóstolos, que despertava o interesse da cidade e atraía novos membros à comunidade.

Para entendermos todo o alcance da reflexão de Lucas precisamos de ter em conta a situação das comunidades cristãs no final da década de 80 do primeiro século. O entusiasmo inicial dos cristãos estava um tanto diluído: Jesus ainda não tinha vindo para instaurar definitivamente o “Reino de Deus” e, em contrapartida, posicionavam-se no horizonte próximo as primeiras grandes perseguições. Muitos dos crentes tinham-se instalado numa fé “morna” e inconsequente. Havia desleixo, falta de entusiasmo, acomodação, divisão, conflitos e confusão (até porque começavam a aparecer falsos mestres, com doutrinas estranhas e pouco cristãs). Neste contexto, Lucas recorda o essencial da experiência cristã e traça o quadro daquilo que a comunidade deve ser e testemunhar.

“Apocalipse” é uma palavra de origem grega que significa APO (Afastado de) e Calypso (Sombra), ou seja, "Revelado/Revelação". Este livro, – do qual é retirado o trecho da segunda leitura deste domingo – é um livro que se apresenta como uma “revelação” sobre “as coisas que brevemente devem acontecer” e que um tal João, exilado na ilha de Patmos (uma pequena ilha do Mar Egeu) por causa da sua fé, tem por missão comunicar aos seus irmãos na fé.

Essa “revelação” é endereçada a “sete igrejas” da província romana da Ásia (atual Turquia), às quais o autor se sentia especialmente ligado e cuja problemática conhecia bem. Estamos na parte final do reinado do imperador Domiciano (à volta do ano 95). As comunidades cristãs da Ásia Menor vivem numa grave crise interna, resultante das heresias (como a dos nicolaítas, referida em Ap 2,6.15), da falta de entusiasmo, da tibieza, da indiferença, da acomodação. Por outro lado, a perseguição contra os cristãos, ordenada pelo imperador, tinha criado um clima de insegurança e de medo: muitos seguidores de Jesus eram condenados e assassinados e outros, temendo pelas suas vidas, abandonavam o Evangelho e passavam para o lado do império. Na comunidade dizia-se: “Jesus é o Senhor”; mas lá fora, quem mandava mesmo, como senhor todo-poderoso, era o imperador de Roma.

É neste contexto de crise, de perseguição, de medo e de martírio que vai ser escrito o Apocalipse. O objetivo do autor é levar os crentes a revitalizarem o seu compromisso com Jesus e a não perderem a esperança. Nesse sentido, o autor do livro começa por fazer um convite à conversão, convidando as “sete igrejas” a corrigirem as suas opções erradas e a revitalizarem a sua fé; passa, depois, a apresentar uma leitura profética da história humana, que promete a vitória final de Deus e dos seus fiéis sobre as forças do mal. Estes conteúdos são apresentados com o recurso sistemático a símbolos e imagens (como é típico da literatura apocalíptica), o que torna este livro estranho e difícil, mas, ao mesmo tempo, muito belo e interpelante.

O texto da segunda leitura de hoje pertence à primeira parte do livro. Recorrendo à linguagem simbólica – pois é através dos símbolos que melhor se expressa a realidade do mistério – João nos apresenta o Senhor da história, Aquele através de quem Deus revela aos homens o seu projeto.