A figura de Jesus gerava, portanto, muitas expectativas. Iria Ele concretizá-las? A sua vida, as suas opções, corresponderiam a aquilo que Deus esperava dele e que a comunidade do Povo de Deus aguardava ansiosamente? Que caminhos iria Ele seguir? Iria privilegiar os seus interesses pessoais, ou o projeto de Deus? O episódio das “tentações de Jesus” responde, desde já, a estas questões.
Trata-se de um episódio real, descrito de forma estritamente histórica, com um “diabo” a disputar a Jesus o centro do palco? Trata-se, fundamentalmente, de uma página de catequese. É muito provável que Jesus, após o seu batismo no rio Jordão, tenha se retirado e exilado no deserto de Judá e passado alguns dias a meditar sobre a missão que Deus queria confiar-lhe. Nesse tempo de “retiro”, Jesus confrontou-se com uma luta interior, com opções fundamentais, com a definição do seu projeto de vida. É natural também que, mais tarde, Jesus tenha falado com os seus discípulos sobre o que sentiu quando teve de escolher, a fim de que eles percebessem que, diante da proposta do Reino de Deus, também eles tinham de tomar decisões. Esse diálogo deve ter causado uma profunda impressão nos discípulos. O fato de o relato das “tentações de Jesus” ser conhecido desde o início nas comunidades cristãs primitivas mostra isso mesmo.
O episódio é situado “no deserto”. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Deus e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história vai se repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus, como aconteceu com os israelitas?
As “tentações de Jesus” não são contadas da mesma forma por todos os Sinópticos. Marcos limita-se a referir que Jesus “foi tentado”, sem entrar em pormenores; Mateus e Lucas descrevem as “tentações” de Jesus em termos análogos, embora a segunda e a terceira “tentação” apareçam, nos dois Evangelhos, em ordem diferente. Provavelmente Lucas, sempre preocupado em apresentar Jerusalém como um lugar central na história da salvação, arranjou as coisas para que o “desafio teológico” entre Jesus e o diabo tivesse o seu epílogo em Jerusalém.