Compreender os textos Bíblicos não é tarefa fácil, e se torna praticamente impossível se não levarmos em conta os aspectos histórico-culturais e os costumes da época em que cada leitura se passa. Há muitas mensagens escritas que se apóiam nestes aspectos, além de leis específicas, metáforas temporais, problemas de tradução e até mesmo estilos usados pelos autores de cada livro, e quais elementos (ou mesmo objetivos) queriam enfatizar em seus textos.

CONDIÇÕES HISTÓRICO-CULTURAIS E COSTUMES DA ÉPOCA DAS PASSAGENS BÍBLICAS

LEITURAS DA SEMANA

"PRÓXIMA REUNIÃO: 5/Junho/2025"

Não haverá reunião em função da preparação para a Missa do Crisma

Antes de cada reunião semanal, colocaremos nesta página informações úteis, sobre cada leitura, para nos ajudar nesta "viagem no tempo" e, assim, com o auxílio do Espírito Santo de Deus, entendermos as mensagens com este pano de fundo histórico e, finalmente, podermos transportá-las aos nossos dias e às nossas circunstâncias de hoje.

1ª Leitura:  Livro dos Atos dos Apóstolos (At 2: 1-11c)

2ª Leitura: Carta aos Romanos (Rm 8: 8-17)

Evangelho: segundo João (Jo 20: 19-23)

Ref. Domingo 8/Junho/2025

Domingo da Solenidade da Ascensão do Senhor - Ano C

Jesus foi crucificado na manhã de uma sexta-feira – dia da “preparação” da Páscoa – e morreu pelas três horas da tarde desse dia. Já depois de morto, um soldado trespassou-lhe o coração com uma lança; e do coração aberto de Jesus saiu sangue e água. O evangelista João vê no sangue que sai do lado aberto de Jesus o sinal do seu amor dado até ao extremo ; e vê na água que sai do coração trespassado de Jesus o sinal do Espírito, desse Espírito que Jesus “entregou” aos seus e que é fonte de Vida nova.

Da água e do sangue, do batismo e da eucaristia, nascerá a nova comunidade, a comunidade da Nova Aliança. Contudo, os discípulos que tinham subido com Jesus a Jerusalém e que seriam o embrião dessa comunidade da Nova Aliança, desapareceram sem deixar rasto. Estão escondidos, algures na cidade de Jerusalém, paralisados pelo medo. O projeto de Jesus falhou? No final da tarde dessa sexta-feira, o corpo morto de Jesus foi sepultado às pressas num túmulo novo, situado num horto ao lado do lugar onde se tinha dado a crucificação. Depois veio o sábado, o último dia da semana, o dia da celebração da Páscoa judaica. Durante todo aquele sábado o túmulo de Jesus continuou fechado.

A partir daqui a narração de João muda de tempo e de registo. Chegamos ao “primeiro dia da semana”. É o primeiro dia de um tempo novo, o tempo da humanidade nova, nascida da ação criadora e vivificadora de Jesus. “No primeiro dia da semana”, Maria Madalena, a mulher que representa a nova comunidade, vai ao túmulo e vem de lá confusa e desorientada porque o túmulo está vazio. Logo depois, ainda “no primeiro dia da semana”, Pedro e outro discípulo correm ao túmulo e constatam aquilo que Maria Madalena tinha afirmado: Jesus já não está encerrado no domínio da morte. A comunidade de Jesus começa a despertar de sua letargia; começa a viver um tempo novo. Mas é preciso mais, qualquer coisa para que os discípulos vençam o medo e assumam o seu papel enquanto comunidade da Nova Aliança. O que falta? Ao entardecer do “primeiro dia da semana” (ou seja, ao concluir-se este primeiro dia da nova criação) Jesus encontra-se com toda a comunidade reunida na casa onde se escondiam. O texto do evangelho que a liturgia da Solenidade do Pentecostes nos apresenta descreve esse encontro entre Jesus ressuscitado e a sua comunidade.

A obra de Lucas abarca dois “tempos” diferentes, duas etapas da “história da salvação”: o “tempo de Jesus” (Evangelho), e o “tempo da Igreja” (Atos dos Apóstolos). O “tempo de Jesus” é o “tempo” em que Jesus estava fisicamente presente no meio dos seus discípulos e andava com eles pelas vilas e aldeias da Palestina a anunciar o Reino de Deus; o “tempo da Igreja” é o tempo em que Jesus já voltou para o Pai e são os discípulos que assumem a missão de dar testemunho da salvação de Deus.

Os Atos dos Apóstolos nos situam, portanto, no “tempo da Igreja”. O livro nos apresenta os momentos principais dessa aventura missionária que leva a proposta de Jesus desde Jerusalém até aos confins do mundo. Os discípulos, no entanto, não percorrerão sozinhos este caminho: serão ajudados e orientados pelo Espírito Santo, conforme a promessa de Jesus.

O “tempo da Igreja” começa em Jerusalém, logo depois da ressurreição/ascensão de Jesus. De acordo com o plano teológico de Lucas, foi em Jerusalém que a salvação de Deus irrompeu na história dos homens; e será a partir de Jerusalém que essa salvação se vai espalhar pelo mundo inteiro. O “pontapé de saída” nessa aventura que vai levar o Evangelho de Jesus ao encontro do mundo foi dado com a receção, pelos discípulos, do Espírito Santo.

No livro dos Atos, Lucas nos diz que a comunidade de Jesus se encontrou com o Espírito Santo no dia em que os judeus celebravam a festa judaica do Pentecostes (em hebraico “Shavu’ot”). Essa festa (também chamada “festa das semanas” e “festa das primícias”) ocorria cinquenta dias após a Páscoa e era, antes de mais, uma festa agrícola: terminada a colheita dos cereais, os agricultores dirigiam-se ao Templo, ao som de música de flautas, para entregar a Deus os primeiros frutos da colheita (“bicurim”). Eram acolhidos com cânticos de boas vindas, entravam no templo e entregavam nas mãos dos sacerdotes os cestos com os frutos que tinham trazido. Mais tarde, contudo, a tradição rabínica ligou esta festa à celebração da “aliança” e ao dom da Lei, no Sinai; e, no séc. I, esta dimensão tinha um lugar importante na celebração do Pentecostes.

No que diz respeito ao texto que nos é proposto neste domingo como primeira leitura e que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes, não existem dúvidas de que é uma construção artificial, criada por Lucas com uma clara intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre a imagens, a símbolos, à linguagem poética das metáforas. Temos de descodificar os símbolos para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva, pela palavra de Lucas, quis nos deixar. Uma interpretação literal deste relato seria, portanto, uma boa forma de passarmos ao lado do essencial da mensagem; far-nos-ia reparar na roupagem exterior, no folclore, e ignorar o fundamental. O interesse fundamental de Lucas, o nosso catequista, é apresentar a Igreja como a comunidade que nasce de Jesus, que é assistida pelo Espírito e que é chamada a testemunhar aos homens o projeto libertador do Pai.

Romanos 8: 8-17 reflete um ensinamento profundamente contracultural: em uma sociedade baseada na honra, poder, legalismo e escravidão, Paulo propõe uma nova identidade baseada no Espírito, na filiação divina e na herança em Cristo. Ele oferece uma visão radical de dignidade para todos, inclusive para escravos e gentios, inserindo-os na família de Deus.

Provavelmente foi escrita entre 55-58  em Corinto, durante a terceira viagem missionária de Paulo tendo como destinatário a comunidade cristã em Roma – formada por judeus e gentios convertidos. Esta comunidade vivia sob o domínio romano, numa cidade pluralista, com forte presença de práticas pagãs, moral decadente e sistema escravagista. Muitos judeus cristãos ainda estavam apegados à Lei mosaica. Os gentios convertidos, por outro lado, não tinham esse passado legalista. Paulo escreve para unificar a comunidade, mostrando que todos são justificados pela fé em Cristo, e não pela Lei. Não se trata de tarefa fácil, pois a sociedade romana exaltava o poder, o status e o orgulho cívico. Em contraste, Paulo ensina sobre a adoção divina e o sofrimento com Cristo como caminhos para a glória. A imagem da adoção era bem compreendida em Roma: um cidadão podia adotar alguém e esse adotado ganhava status e herança plenos. Paulo usa essa imagem para mostrar que os cristãos são herdeiros com Cristo. A metáfora do “espírito de escravidão” confronta a realidade social romana: escravos não tinham direitos, não podiam herdar nem tinham liberdade. Paulo diz que os cristãos não são mais “escravos do pecado”, mas filhos adotivos de Deus, e por isso participam da liberdade e da herança divina.