Compreender os textos Bíblicos não é tarefa fácil, e se torna praticamente impossível se não levarmos em conta os aspectos histórico-culturais e os costumes da época em que cada leitura se passa. Há muitas mensagens escritas que se apóiam nestes aspectos, além de leis específicas, metáforas temporais, problemas de tradução e até mesmo estilos usados pelos autores de cada livro, e quais elementos (ou mesmo objetivos) queriam enfatizar em seus textos.

CONDIÇÕES HISTÓRICO-CULTURAIS E COSTUMES DA ÉPOCA DAS PASSAGENS BÍBLICAS

LEITURAS DA SEMANA

"PRÓXIMA REUNIÃO: 6 de Março de 2025"

Antes de cada reunião semanal, colocaremos nesta página informações úteis, sobre cada leitura, para nos ajudar nesta "viagem no tempo" e, assim, com o auxílio do Espírito Santo de Deus, entendermos as mensagens com este pano de fundo histórico e, finalmente, podermos transportá-las aos nossos dias e às nossas circunstâncias de hoje.

1ª Leitura:  Livro do Deuteronômio (Dt 26: 4-10)

2ª Leitura: Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 10: 8-13)

Evangelho: segundo Lucas (Lc 4: 1-13)

Ref. Domingo 09/Março/2025

1º Domingo da Quaresma - Ano C

Nos Evangelhos Sinópticos, a cena das “tentações de Jesus” está encaixada entre o batismo e o início da pregação do Reino de Deus. Lucas, contudo, faz anteceder a cena das pregações de uma “genealogia” de Jesus. Se no batismo foi desvelada a identidade de Jesus (“tu és o meu filho muito amado; em ti pus todo o meu agrado”), a genealogia mostra que Jesus vinha de uma família especial (a família do rei David), na qual o povo de Deus tinha depositado as suas esperanças de libertação.

A figura de Jesus gerava, portanto, muitas expectativas. Iria Ele concretizá-las? A sua vida, as suas opções, corresponderiam a aquilo que Deus esperava dele e que a comunidade do Povo de Deus aguardava ansiosamente? Que caminhos iria Ele seguir? Iria privilegiar os seus interesses pessoais, ou o projeto de Deus? O episódio das “tentações de Jesus” responde, desde já, a estas questões.

Trata-se de um episódio real, descrito de forma estritamente histórica, com um “diabo” a disputar a Jesus o centro do palco? Trata-se, fundamentalmente, de uma página de catequese. É muito provável que Jesus, após o seu batismo no rio Jordão, tenha se retirado e exilado no deserto de Judá e passado alguns dias a meditar sobre a missão que Deus queria confiar-lhe. Nesse tempo de “retiro”, Jesus confrontou-se com uma luta interior, com opções fundamentais, com a definição do seu projeto de vida. É natural também que, mais tarde, Jesus tenha falado com os seus discípulos sobre o que sentiu quando teve de escolher, a fim de que eles percebessem que, diante da proposta do Reino de Deus, também eles tinham de tomar decisões. Esse diálogo deve ter causado uma profunda impressão nos discípulos. O fato de o relato das “tentações de Jesus” ser conhecido desde o início nas comunidades cristãs primitivas mostra isso mesmo.

O episódio é situado “no deserto”. O deserto é, no imaginário judaico, o lugar da “prova”, onde os israelitas experimentaram, por diversas vezes, a tentação do abandono de Deus e do seu projeto de libertação (embora seja, também, o lugar do encontro com Deus, o lugar da descoberta do rosto de Deus, o lugar onde o Povo fez a experiência da sua fragilidade e pequenez e aprendeu a confiar na bondade e no amor de Deus). Será que a história vai se repetir, que Jesus vai ceder à tentação e dizer “não” ao projeto de Deus, como aconteceu com os israelitas?

As “tentações de Jesus” não são contadas da mesma forma por todos os Sinópticos. Marcos limita-se a referir que Jesus “foi tentado”, sem entrar em pormenores; Mateus e Lucas descrevem as “tentações” de Jesus em termos análogos, embora a segunda e a terceira “tentação” apareçam, nos dois Evangelhos, em ordem diferente. Provavelmente Lucas, sempre preocupado em apresentar Jerusalém como um lugar central na história da salvação, arranjou as coisas para que o “desafio teológico” entre Jesus e o diabo tivesse o seu epílogo em Jerusalém.

O Livro do Deuteronômio parece ser o “livro da Lei” ou “livro da Aliança” descoberto no Templo de Jerusalém por volta de 622 a.C., no 18° ano do reinado de Josias, e que serviu de motor à grande reforma religiosa levada a cabo por este rei no sentido de reconduzir o Povo à fé em Javé. Neste livro, os teólogos deuteronomistas – originários do Norte (Israel) mas, entretanto, refugiados no sul (Judá) após as derrotas dos reis do norte frente aos assírios – apresentam os dados fundamentais da sua teologia:

Há um só Deus, que deve ser adorado por todo o Povo num único local de culto (Jerusalém); esse Deus amou e elegeu Israel e fez com ele uma Aliança eterna; e o Povo de Deus deve ser um único Povo, uma família unida que tem Deus como a sua grande referência (portanto, não têm qualquer sentido as questões históricas que levaram o Povo de Deus à divisão política e religiosa, após a morte do rei Salomão).

Literariamente, o livro apresenta-se como um conjunto de três discursos de Moisés, pronunciados nas planícies de Moab, pouco antes de o Povo libertado do Egito atravessar o Jordão para tomar posse da Terra Prometida. Pressentindo a proximidade da sua morte, Moisés deixa ao Povo uma espécie de “testamento espiritual”: lembra aos hebreus os compromissos assumidos para com Deus e os convida a renovar a sua Aliança com Javé.

O texto que a liturgia do primeiro domingo da Quaresma nos propõe como primeira leitura faz parte do segundo discurso de Moisés. Integra o chamado “código deuteronômico”, um conjunto de leis e costumes diversos, a que se somam exortações destinadas a convencer o Povo a viver de acordo com as indicações de Deus. Um desses blocos legais refere-se à entrega a Deus das “primícias” (“bikkurim”), os primeiros frutos da terra. Os cananeus costumavam todos os anos, na altura em que colhiam os primeiros frutos da terra, celebrar uma festa em honra de Baal, a divindade da fecundidade e da vegetação, agradecendo-lhe os dons da terra. Os crentes israelitas sabiam que não era a Baal, mas sim a Javé que deviam agradecer os frutos da terra. Por isso, todos os anos, pouco de pois de terem colhido os primeiros frutos da terra, os ofereciam a Deus. Com esse gesto, agradeciam a generosidade de Deus e reconheciam que Deus era o dono da natureza e a fonte de toda a fecundidade.

Paulo escreve aos cristãos da comunidade de Roma quando está prestes a terminar a sua terceira viagem missionária. Prepara-se para retornar à Palestina, onde vai entregar os donativos recolhidos em diversas igrejas do oriente, destinados a ajudar financeiramente os cristãos de Jerusalém. Sente que terminou a sua missão no oriente, pois as igrejas que fundou e acompanhou estão organizadas e já podem caminhar sozinhas.

Dirigindo-se por carta aos cristãos de Roma, Paulo aproveita para estabelecer laços com eles e para lhes apresentar os principais problemas que o ocupavam (entre os quais sobressaía a questão da unidade, um problema bem presente na comunidade cristã de Roma, afetada por alguns problemas de relacionamento entre judeo-cristãos e pagano-cristãos). A Carta aos Romanos serena e elucida a teologia paulina. Estamos no ano 56 ou 57.

Na primeira parte da Carta, Paulo vai fazer notar aos cristãos divididos que o Evangelho é a força que congrega e que salva todo o crente, sem distinção de judeu, grego ou romano. Embora o pecado seja uma realidade universal, que afeta todos os homens, a “justiça de Deus” dá vida a todos, sem distinção; e é em Jesus Cristo que essa vida se comunica e que transforma o homem. Batizados em Cristo, os cristãos morrem para o pecado e nascem para uma vida nova. Passam a ser conduzidos pelo Espírito e tornam-se filhos de Deus; libertados do pecado e da morte, produzem frutos de santificação e caminham para a Vida eterna. Na segunda parte da carta Paulo, de uma forma bastante prática fala da forma de viver de acordo com o Evangelho de Jesus.

O texto que a liturgia deste domingo nos propõe como segunda leitura, integra uma reflexão de Paulo sobre o desígnio de Deus a respeito de Israel. O povo que recusou a proposta de Jesus terá perdido o acesso à salvação? O plano salvador de Deus, que incluía Israel, terá falhado? Paulo considera que Deus é fiel e não retirará ao seu povo a sua oferta de salvação. A opção que Israel fez não é irreversível: basta-lhe corrigir a sua opção, aceitar Jesus e a proposta que Ele traz.