Jesus e os discípulos vão a caminho de Jerusalém. Lucas indica que o episódio que vai ser narrado sucedeu quando passavam “entre a Samaría e a Galiléia”. A indicação é imprecisa; mas a preocupação fundamental de Lucas não é apresentar um itinerário geográfico detalhado, mas sim dar-nos conta de uma “peregrinação espiritual” durante a qual os discípulos vão amadurecendo a proposta de Jesus e aprofundando o seu compromisso com o Reino de Deus. O grupo que caminha com Jesus depara-se, “ao entrar numa povoação”, com um grupo de dez leprosos.
O leproso era, no tempo de Jesus, o protótipo do marginalizado. O aspecto físico de um leproso causava repugnância; o medo da contaminação fazia com que todos se afastassem do doente. Além disso, a teologia oficial considerava o leproso um impuro ritual, um “castigado por Deus” por ter cometido pecados especialmente graves. O contato com um leproso provocava impureza; por isso, o leproso não podia entrar nas povoações: vivia em lugares isolados e, quando alguém se aproximava, devia avisar da sua triste condição, gritando: “impuro, impuro”. Estava-lhe inclusive vedada a entrada na cidade de Jerusalém, a fim de não violar, com a sua impureza, o lugar sagrado onde estava o templo. No caso improvável de cura, o leproso devia apresentar-se diante de um sacerdote, a fim de que este comprovasse o fato e lhe permitisse a reintegração na vida normal. Podia, então, voltar a participar nas celebrações do culto.
Há um outro elemento a considerar no relato de Lucas: um dos leprosos que se apresentam diante de Jesus é samaritano. Os habitantes da Samaria eram desprezados pelos judeus de Jerusalém, por causa do seu sincretismo religioso. A desconfiança religiosa dos judeus em relação aos samaritanos começou quando, em 721 a.C. (após a queda do reino do Norte), os colonos assírios invadiram a Samaria e começaram a misturar-se com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se. Alguns anos depois, após o regresso do exílio da Babilônia, os habitantes de Jerusalém recusaram a ajuda dos samaritanos na reconstrução do Templo e evitaram os contatos com esses hereges, “raça misturada com pagãos”. A construção de um santuário samaritano no monte Garizim (séc. IV a.C.) consumou a separação entre as duas comunidades e, na perspetiva judaica, lançou definitivamente os samaritanos nos caminhos da infidelidade a Javé. Algumas picardias mútuas nos séculos seguintes consolidaram a inimizade entre judeus e samaritanos. Na época de Jesus, a relação entre as duas comunidades era marcada por uma grande hostilidade.
O episódio da cura dos dez leprosos por Jesus, é exclusivo de Lucas.